O velho
acordava com o sol, levantava-se, e ia até à janela somar pássaros; depois lavava-se, vestia-se, comia uma laranja e descia à rua com um número na cabeça.
O velho
caminhava lento até à praça dos autocarros e procurava o número que trazia.
Entrava no autocarro correspondente e escolhia um lugar ao fundo, de onde
pudesse olhar e passar despercebido.
As
pessoas entravam, liam o jornal ou conversavam e depois tocavam a campainha e
saíam num lugar. Tantos lugares, pensava o velho, e imaginava o que fariam ali,
torcendo as mãos nos gestos de escrever, martelar ou apertar parafusos.
A meio
da manhã o autocarro chegava vazio à paragem terminal. Ele descia e ficava alguns
instantes a olhar em volta. Por vezes chegava a subúrbios de prédios altos e
cinzentos, outras a pequenas aldeias que resistiam a ser cidade.
O velho
começava então a andar até encontrar um jardim, ou uma taberna, ou um centro de
saúde onde estivessem outros velhos como ele. Mas diferentes dele.
Sentava-se
a seu lado e dava os bons dias. Trocavam nomes, um aperto de mão, e em pouco
tempo começavam a contar histórias da vida. Ele contava a sua e depois ouvia-os
com atenção, anotando na cabeça os pormenores todos: as datas, os nomes dos
filhos, dos netos e das ex-mulheres. Todos os velhos tinham histórias cheias de
gente e de pormenores.
À tarde
voltava para a casa vazia. Uma vida de tantos anos e as paredes sem fotos, e a
memória branca, e nem cartas ou prendas.
Então o
velho sentava-se à secretária e escrevia num caderno as histórias que escutara.
Tudo muito devagar, decorando com cuidado as palavras exactas para o dia
seguinte.
(Texto concebido para o concurso Performance Architecture de Guimarães 2012)