No
segundo esquerdo um homem morreu de desejo.
No
terceiro direito viveu um padre que bateu com a cabeça em Deus e caiu em cima
de uma mulher.
Debaixo
das escadas da entrada um menino guarda pedras e vidros coloridos para um dia
ser artista.
É um
prédio frágil e sentimental, de tangos e boleros que tocam por dentro das
paredes e se ouvem à noite só por sonhos. Quem lá mora enlouquece lentamente
até fazer parte dele. É um prédio feito de muitas loucuras.
Há uma
menina a dançar sozinha no rés-do-chão.
Há um
cão que olha para a rua e ladra aos homens de bigode.
Há um
velho doente que fuma sentado e se apaixona por todas as raparigas.
O
prédio tosse e suspira e arrepia-se às vezes.
No
terceiro esquerdo já não mora ninguém. As estantes da sala guardam restos de
felicidade: fotografias, livros oferecidos, filmes que foram vistos a dois e que
agora doem ao lembrar.
As
janelas do prédio dão todas para dentro.
No
segundo direito uma senhora antiga, um vestido negro e um desvario de mãos a bordar
flores.
No
primeiro esquerdo está um homem deitado ao lado de uma mulher que respira e
dorme com o corpo todo.
Faz
frio no prédio, sempre frio, mesmo no Verão. Quando alguém entra tem de vestir
um casaco, ou sentir tristeza ou acender o que puder arder.
No
primeiro direito uma rapariga de olhos fechados grita sozinha com medo do que
lhe pode acontecer.
(Texto concebido para o concurso Performance Architecture de Guimarães 2012)
Um prédio em que 'as janelas dão todas para dentro', já valeu o texto. Muito bom!
ResponderEliminarTexto sublime! Metaforizou-se uma arquitectura. Pura Beleza.
ResponderEliminarGrata pela partilha.
Sandra Maria Ferreira
http://www.papoilasonhadora.blogspot.com/