Fazias
croché encostada ao muro, era cedo e cheguei-me a ti.
A casa
tinha um jardim maltratado, portas de madeira ressequida e paredes antigas
cheias de verde.
Falei-te
das minhas coisas e era uma hora estranha; porque a luz, porque a rua vazia,
porque a noite em claro e um poema incompleto.
Não me
lembro do teu nome, eras o que ali me faltava e não me lembro do teu nome.
A
cabeça baixa nas mãos a puxar linhas e eu a medo nas palavras. O meu passado, o
que fazia, as artes que praticava. Não sei já o que disse, atento ao tom mais
do que ao sentido, para que soubesses, para que olhasses para mim e
adivinhasses o buraco fundo que era eu.
Um
poema escuro de fim de amor, embrulhado em anos, atado em versos que nunca mais
hão-de rimar.
Os teus
amigos passavam e olhavam. Eu não era dali e a sombra que deitava mudava-te o
rosto, a minha sombra de ser buraco.
Sorrias
nas perguntas, a lã vermelha pendurada das mãos e os pés para dentro como se
tivesses crescido ontem e ainda te sobrasse o corpo. Mas era eu que sobrava, tu
fazias croché e arrumavas a linha no desenho dos olhos.
Atravessou-nos
um silêncio de nuvem, encolhi-me num livro e fiquei a esperar calado.
Convidaram-nos
para comer e eu trazia fome e um poema incompleto. Quis dizer que sim, mas
esperei que falasses e ouvi-te recusar, que tinhas alguém à espera; alguém,
disseste alguém.
O meu
poema espalhado num caderno de linhas que abri. As frases muito sujas, pardas
de cor, tão daltónico andava de todo o coração.
Depois de ti tive de limpar as palavras
Fui
lendo em voz alta, como se estivesse sozinho mas fixo no mexer dos teus dedos.
Os versos enroscavam-se na linha e faziam malha, ajeitados por ti, com as tuas
certezas todas, de estares ali e alguém à tua espera.
Como eu
não tinha, nem certezas nem ninguém.
Levaste contigo a ideia de nós
Fez-se
tarde e levantaste o olhar. Tenho de ir, disseste, beijaste-me e foste.
Desceste as escadas com a malha inacabada, o que restava da manhã e a melhor
parte do meu poema.
Sei
hoje, porque perguntei, que caminhávamos por ruas contrárias do amor. Por isso
correste e eu fiquei onde estava, a ver fugir o vermelho do meu poema.
(Conto escrito em 2011 para uma revista que nunca chegou a ser feita)