Um café como outros cafés, desses onde se vai e por vezes se está. Ficava numa esquina e tinha duas janelas, cada uma virava para uma rua diferente. Eu estava sentado com a desculpa de um livro, ouvindo quem falava e olhando quem lá estava. As pessoas são engraçadas por detrás de livros e de coisas que são nossas, parecem bonecos a fazer o que lhes apetece.
O empregado falava com o patrão de casos acontecidos, alguém que foge sem pagar, a loira sem cuecas, essas conversas de empregado e patrão. "Ai senhor Carlos, eram umas pernas que pareciam elevadores..." No meio disso olhei por uma janela e vi gente a andar, com pesos, com sacos, com nada. Era hora de voltar a casa. São horas tensas e confusas, pouco dadas a pormenores, o jantar, a mulher, os sapatos que apertam, mas foi também hora de espanto, mais para mim que há anos que não volto a casa. Os senhores gordos e os outros, as meninas e as mulheres que me passeavam os olhos pela primeira janela falhavam clamorosamente ao chegar à segunda. Não estavam, não eram, ficavam-me as consequências perdidas, desviadas por nada. Para onde ia tanta gente? Se era uma esquina, um caminho que dá noutro... ah gente arrenegada.Nessa esquina maldita contei eu entre o que vi, que foi só hora e meia de aflição, quarenta e duas pessoas perdidas para todo o ser. Enfim, não tanto assim, da janela dos destinos emergiram sem pressa três cães e um pardal. Todos riam, os animaizinho. Que alegres e joviais criaturas.
Ao ler este seu texto, lembrei-me da minha falecida avó, que não sabia ler nem escrever e quase nunca saíra da sua aldeola de Trás-os-Montes, para os lados de Macedo de Cavaleiros. Um dia, de carro pela baixa do Porto, tinha eu uns dez ou doze anos, depois de observar as ruas durante vários minutos, ela virou-se para mim e perguntou-me, com uma sinceridade de criança: "Mas o que anda toda esta gente na rua a fazer?"
ResponderEliminarcara, muito legal os teus textos.
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