2.7.09

O Marcelo (Décima Sétima Parte)

Nesse dia passaram anos. Das oito da manhã às sete da tarde fui capaz de mil desejos e outras tantas fantasias. Enquanto as mãos andavam de cá para lá a passear papéis pelo escritório, eu fui feliz, fui desgraçado, casei-me, fugi para longe, abandonei e fui abandonado. Como são estas coisas da paixão. Como são ridículas, como são desejáveis.

Almocei com Marcelo e proibi-lhe a fala. Ele ria e eu calava. Quando terminámos pedi-lhe que desaparecesse até que o chamasse. Estava já demasiado cheio de imaginações, por uma vez arriscaria o real em mais vontade do que medo, ao menos uma vez.
Às seis e meia deixei o trabalho e fui comprar flores vermelhas. Levava-as pela rua e estava já com Mariana. As mulheres que amamos devem ser assim, capazes de chegar antes de chegarem.
Ao aproximar-me do quiosque o coração dançava-me, dançava a sério. Ela estava à espera e tinha o cabelo solto, mas as orelhas continuavam bonitas. Recebeu as flores e deu-me um beijo pequenino. Não, não foi nada pequenino. Caminhámos pela avenida nos passos um do outro e falámos de sei lá eu do que falámos. Palavras de passeio, de final de tarde, de rosas vermelhas, palavras excepcionais para usar em horas assim.

Chegámos ao rio e nem nos era preciso. Que importam águas a correr. Sentámo-nos na esplanada do restaurante e ficámos ali a brincar aos nervos. A Mariana falava com voz apagada e doce, falava dela, perguntava de mim, a família como era, a vida como era, os sonhos também. Ria escondida quando eu me atrapalhava e eu ria também, as águas corriam muito por detrás dela, longe da minha miopia. Comemos como comem as crianças, porque tem de ser. A nossa vontade era olhar e falar só por falar.A certa altura Mariana ficou vermelha e perguntou-me porque a tinha convidado. Eu recomecei a história do concurso e ela interrompeu-me com um silêncio benevolente. Então fiquei eu vermelho e pousei os olhos na mesa. Que havia eu de dizer? Saiu-me uma verdade atrapalhada que a Mariana ouviu muito bem. Então tocou-me na mão ao de leve e fez-se muito contente, a mão era quente, eu não sabia que era assim quente.

1 comentário:

  1. Todos os fins são tristes. ISto é muito bom por isso tenho pena que acabe. Olha venham mais destas palavras tão poeticamente conjugadas, quando puder ser, sim?

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