29.6.09

O Marcelo (Décima Quarta Parte)

Assim que o funcionário abandonou a mesa fez-se uma pausa. Eu aproveitei para ir à casa-de-banho onde pude falar com o Marcelo. Tudo corria bem até ao momento, nada de exaltações, mas tudo corria bem. Chegava agora o momento decisivo, hora de afinar astúcias. O velho e a mulher estavam demasiado distantes para que Marcelo desse conta dos dois, impunha-se uma escolha. Sabendo um dos jogos eliminávamos um concorrente, do outro havia que descobrir algum segredo, uma fraqueza que o tornasse vulnerável, conhecido. À mulher era impossível observá-la, (ainda mais para o Marcelo, dado como era a escorregar em terreno lúbrico) pelo que havia que mirar o velho, alguma coisa deveria esconder, afinal de contas era apenas um homem.
Recomeçámos. Caras lavadas, sorrisos amarelos e falsas simpatias repartidas pelos três. À primeira mão já Marcelo esperava de joelhos por detrás da mulher. Um três de ouros e um sete de paus, coisa pouca. Eu tinha um par de noves, o velho tinha o que tinha. Fosse Marcelo dotado do condão da ubiquidade e talvez o meu estômago não desse os coices que dava. Mas o condão não era e os coices sim.
Partiram as apostas, o meu jogo era superior ao da mulher e o ar seguro deve tê-la desencorajado. Fiquei eu e ele. As fichas foram aumentando na mesa e a última das cinco cartas a ser mostrada era um nove de copas, o que me deixava com um trio. Era uma combinação razoável, muitas vezes suficiente mas ainda assim frágil. Do Marcelo não recebi nenhum sinal e quando o velho subiu a parada eu receei. O sacana era de facto imperscrutável. Não fui a jogo, a prudência dar-nos-ia tempo para o estudar.

Na mão seguinte tentámos outra estratégia, a pedido do Marcelo retirei-me ao início e deixei-os jogar os dois. Ela tinha dois pares, o que lhe dava óptimas possibilidades, mas mais uma vez o velho apostava com energia. Foi por essa altura que a expressão do Marcelo mudou, tinha descoberto qualquer coisa. A mulher mostrou-se corajosa e foi a jogo. Voltaram-se as cartas, o velho tinha apenas um ás, fora um logro. O Marcelo veio até mim a saltar de felicidade e revelou-me a descoberta. “O raio do velho aperta os tomates quando faz bluff, é por isso que não ri nem muda de expressão, está concentrado nas dores lá de baixo”.
Declarámo-nos independentes da sorte e a partir daí arrecadámos tudo o que podia ser arrecadado. Primeiro os mais velhos e finalmente a senhora (o Marcelo fizera questão de a aguentar na mesa por um pouco mais). Coisa limpa, bonita de ver, o investimento multiplicado por cinco (aparte a comissão do homem grande) e nós com a alma aos pinotes, uma coisa bem feita sim senhora.

(Continua, em breve)

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