19.9.09

Menina em Forma de Recta / Bambina in Forma di Retta

Menina em Forma de Recta

A verdade é que não era uma menina. Ou melhor, sim, era uma menina. Tinha permanecido assim quando todos os outros se haviam esquecido do que eram. Alguém terá ditoEla é como é” e tinha razão.

Assim que aprendeu a olhar decidiu fazê-lo apenas numa direcção, em frente. Tudo o resto era intuído, imaginado, conhecia-o sem precisar de o ver com os seus olhos de olhar em frente. O fora, o outro, o diverso, eram para ela um mundo provável e rumoroso feito de coisas e pessoas estrangeiras, habitantes fantasmas de uma realidade que não era a sua. O seu mundo estava ali, em frente aos olhos claros, os seus olhos franzidos, focados numa distância que não se com um olhar.

Para a menina tudo era simples e recto, linear. Uma variável de partida, outra de chegada e um declive pessoal, não existia mais nada. Os que cruzavam a sua estrada eram para ela pequenos pontos, a intersecção de uma curva (a curva de uma vida feita de caprichos) e a sua recta. Os rios não seguem a direito porque estão condicionados por montes e vales que não sabem ignorar, mas a menina furava os montes e fazia pontes nos vales que não via, que para ela não existiam.

A distância mais curta entre dois pontos é uma enorme vontade. Uma vontade sem distracções, uma vontade que não dança, que canta sempre a mesma música dos dias. O resto é espuma e tempo perdido, um mar parado que se agita sem razões. A menina gostava da terra firme onde os pés não escorregam, onde o passado fica para trás, marcado pelas pegadas.

O amor aconteceu duas vezes à menina, dois amores fugazes, amores de percurso. A primeira vez que se apaixonou foi por uma outra recta que condescendeu em ser-lhe paralela, um amor a uma distância pequena, mas não despiciente. A distância entre duas mãos que quase se tocam, dia após dia, quase, sempre quase. Da outra vez ela não o chamou amor, ninguém o chamou, foi um acontecimento que não aconteceu. Uma sinusoidal cruzou-a diversas vezes até que se tornou anarmónica, deixando atrás de si o traçado de um acidente.

A menina segue a estrada que deve seguir e não chora e não canta. Quem olha em frente não tem tempo para pensar muito. Uma variável de partida e outra de chegada, um traço direito, quase contínuo, quase. Os pontos brancos não lhe pertencem, são espaços e tempos de outros que um dia talvez os queiram preencher. As vontades dos outros são vontades de outros.


Bambina in Forma di Retta

La verità è che non era più una vera bambina. O meglio, sì, era una vera bambina. Era rimasta così quando tutti gli altri non sapevano più cosa fossero. Qualcuno avrà detto “lei è cosi com’è” e ha detto bene.

Dal momento in cui imparò a guardare, decise di farlo soltanto in una direzione, avanti. Tutto il resto lo intuiva, lo immaginava, lo conosceva senza doverlo vedere con i suoi occhi fatti per guardare in avanti. Il fuori, l’altro, il diverso erano per lei un probabile e rumoroso mondo fatto di cose e persone straniere, abitanti fantasmi di un mondo oltre, un mondo che non era il suo. Il suo mondo rimaneva li, davanti ai suoi occhi chiari, i suoi occhi stretti, focalizzati al di là di quanto si possa vedere con uno sguardo.

Per la bambina tutto era semplice e retto, lineare. Una variabile di partenza, un’altra di arrivo e una sua pendenza personale; non c’era nient’altro. Quelli che incrociavano la sua strada erano per lei piccoli punti, le intersezione tra una curva (la curva di una vita fatta di capricci) e la sua retta. I fiumi non vanno dritti perché sono costretti da monti e valli che non sanno ignorare, ma la bambina rompeva i monti e costruiva ponti sulle valli che non vedeva, che non erano per lei.

La distanza più corta tra due punti è una voglia immensa. Una voglia senza distrazione, una voglia che non balla, che canta sempre la stessa musica dei giorni. Il resto è schiuma e tempo perso, un mare fermo che si agita senza perché. Alla bambina piaceva la terra ferma dove i piedi non scivolano, dove il passato rimane dietro, segnato dalle impronte.

Per due volte l’amore accadde alla bambina, due amori veloci, amori di percorso. La prima volta che si innamorò fu per un’altra retta che acconsentì di esserle parallela, un amore a una distanza piccola, ma non trascurabile. La distanza tra due mani che quasi si toccano, giorno dopo giorno, quasi, sempre quasi.

L’altra volta lei non lo chiamò amore, nessuno lo chiamò, fu un avvenimento che non avvenne. Una sinusoide la intersecò diverse volte finché diventò anarmonica, lasciandosi dietro il tratteggio tipico di un incidente.

La bambina segue la strada che deve seguire e non piange e non canta. Chi guarda avanti non ha tempo per pensare troppo. Una variabile di partenza e un’altra di arrivo, una traccia dritta quasi continua, quasi. I punti bianchi non le appartengono, sono spazi e tempi di altri che un giorno potranno anche riempirli. La voglia degli altri è una voglia di altri.

2 comentários:

  1. Ao julgar os outros esqueço-me de olhar para dentro e ver se não estarei a ser tão linear quanto ela. Se não estarei a olhar tão em frente quanto ela. Esforçando-me tão pouco quanto ela. Talvez o percurso seja o mesmo, expresso de maneiras diferentes, mas o mesmo. Talvez vamos lado a lado e eu a querer que seja ela a desviar a rota. Ela chora sim. Ela sofre sim. Mas ela dança e canta e se tudo correr bem nunca perderá o espírito de criança.

    Peço desculpa Camarneiro por lhe invadir o espaço com contas de outro rosário. Mas escreve de uma forma que me faz lembrar outra história. Muito parecida com esta. Demasiado parecida.

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  2. a caminhada é longa , com desafios, com paixões ... sofre ... mas sempre confiante, que os seus encontros ou desencontros, permitiram dar mais um passo para o ser Ela ...
    gosto dessa menina

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