17.4.09

O Marcelo, (Nona Parte)

Fomos até um sítio de gente alegre. Bebemos algumas cervejas enquanto o Marcelo comentava a população feminina do bar. Não pude deixar de admirar o seu poder de observação e a precisão notável com que isolava os mais ínfimos pormenores. Era capaz de conhecer todo o passado de uma mulher e de prever o seu futuro partindo de coisas mínimas. Uns sapatos gastos, um anel de imitação, as unhas roídas e mal pintadas, um suspiro discreto. Qualquer coisa lhe servia para contar histórias mais ou menos sórdidas que se faziam verdadeiras pela qualidade da narração.
Quando se lhe esgotaram os espécimes e a imaginação o Marcelo virou-se para mim, mudou a expressão facial, baixou o tom de voz e passámos então às coisas sérias.
“Eu tenho um plano. Um plano que te pode mudar a vida e pode mudar-te a ti. Se aceitares fazer tudo o que te digo, como eu te digo e quando eu to digo, verás que daqui a algumas semanas, um mês no máximo, serás um tipo diferente. Pode até acontecer que dês em ser feliz, mas isso não ouso afirmar, desconfio do teu talento para a depressão. Ainda assim acho que só tens a ganhar, não podes ficar muito pior do que já estás e asseguro-te que vai ser uma experiência levada da breca. Uma coisa diferente, percebes? Uma coisa diferente”

Perguntei-lhe que plano era esse, embora me apetecesse dizer logo que sim. Sentia dentro de mim o tremor que antecipa as quedas nos abismos ou os grandes feitos, pelo menos assim imaginava, já que eu não tinha qualquer experiência em tragédias desse calibre.
“O plano... O plano é simples. A primeira coisa a fazer é arranjar dinheiro, algum dinheiro. Culpa a sociedade ou a natureza humana se quiseres, mas sem dinheiro és quase tão invisível como eu. Vamos primeiro tratar disso e depois passamos à segunda fase”. Parecia-me um raciocínio difícil de rebater, fiz-lhe sinal que continuasse enquanto apoiava os cotovelos na mesa em posição interrogativa.

“Ora bem, acontece que eu sei de um sítio pouco público onde todas as sextas-feiras se reúnem algumas pessoas para se entregarem à prática do jogo a dinheiro. O acesso à mesa é particularmente restrito, mas mencionando alguns nomes que eu conheço ser-te-á concedido o benefício da dúvida. Ali joga-se póquer, e joga-se forte. São todos jogadores experientes, capazes de dobrar colheres com os olhos de bluff, mas têm a desvantagem de não possuírem amigos invisíveis, e é aí que reside a nossa margem de lucro. Eu vou-te explicar as regras e a gíria da modalidade, depois vamos trabalhar na tua personagem e assim que estiveres pronto tentamos a sorte. O mais importante é que sejas capaz de manter um ar credível enquanto vês os sinais que eu te faço, eu logo te digo se deves ir a jogo ou desistir. É simples, é fácil e vai ser uma experiência levada da breca... um coisa diferente, percebes?”
Percebi. Depois senti um calafrio pelo espinha abaixo e um tremor esquisito no olho esquerdo. Eu não estava habituado a essas coisas, ficava nervoso só de as ver na televisão, mas o Marcelo dava-me segurança e tinha um olhar de tal forma esgazeado que me seria impossível dizer que não. Uma experiência levada da breca, com certeza meu vaporoso amigo, uma coisa diferente pois então.
(continua)

1 comentário:

 
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