30.3.11

Avesso

A palermice de um corpo aqui deixado
de mãos e pernas com cabeça em cima
Sentes? Sinto, vamos cantar ou morrer
dar pulos ou dormir por muitos anos
Vou fazer assim e dizes que me amas
os dois ao poço, um corpo e um corpo
Dedos e boca e cabelos e pele e sangue
um novelo de gente com outra gente
Bichos, estrelas mancas ou cadentes
buracos por onde nos enfiamos a dois
A cair um dentro do outro, um e um
dentro de nós, no lindo avesso de nós
Do outro lado disto, onde se é ou não
se é, onde nada nos saiba alcançar 

23.3.11

País Menino

País assim, que chora e faz chorar no colo, nós nele, ele em nós por onde menos o queremos, onde menos falta faz. De brincar e atirar ao ar, upalalá, país bola e cavalinho. Quem é o meu menino? Somos todos polícias e ladrões, corremos uns atrás dos outros, uns dos outros, todos maus, todos bons, todos a fingir sei lá o quê, sabemos lá nós. País pai pátria mãe, filho mimado da gente, a correr sem pernas nos cueiros encardidos de tanto tempo, demasiado tempo. Não mexas no mundo que está cheio de porcarias, não vás para fora que te levam, vem o estrangeiro e rouba-te para longe de ti e de nós, para o tempo deles, para amanhã, não vás, não vás. Não vamos.

13.3.11

Lonjura

O tempo é velho, a noite é
velha também, o verbo gasto
de estarmos aqui antes de tudo
Esta mão tem anos e dedos e eu
não sei o que tocou nem de quem
foi a mão que me segura o braço
Os nossos corpos vieram cumprir
danças e sede e martírios doidos
As nossas pernas caminhos de
lonjura que os olhos não
vêem, não podem, não
sabem como medir

7.3.11

matei-me muitas vezes



matei-me muitas vezes por
pensamentos e omissões
mortes mínimas de nada
solucinhos de tédio vindos
de onde nascem os saltos
e os sustos e o mau amor
as vezes que me fiz ao mar
depois de não ter comido
as laranjas de prata e ouro
que afinal eram de noite

1.3.11

Acordar um Dia XLIII

Acordar um dia como deus manda. Os dez mandamentos na agenda e um coração pio como de ave o canto.
Depois aquilo, e ele a rir-se, o cabrão… Que me perdoe o altíssimo, mas ficou tudo fodido, tudo assim mesmo, sou eu que o digo.
Amei-me a mim, mais do que tudo, praguejei até ficar rouco, e nem quis saber se era domingo. Insultei-lhe a mãe e o corno do pai e depois matei-o, o espigão da sachola bem enterrado no olho esquerdo enquanto o direito me olhava com pouco querer.
Fui a casa dele e tratei-lhe da mulher, levei o dinheiro que encontrei e disse-lhe que esperasse o marido caladinha, prometi-lhe mais para cedo e decidi que aquela casa haveria de ser minha.
É afinal o mal das listas e dos domingos na província. 
 
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