Estremecido de tragédias, sujo de medo e de vida (a morte dos outros chega-nos sempre em vida), tacteava os dias como um cão que sente a trovoada. Encostado aos muros, recolhido em cafés e tabernas, deitado até tarde no exercício fraco de sentir (não existem pressentimentos, só cães para quem as trovoadas chegam mais cedo).
Fazem-se descobertas admiráveis ao desrespeitar a realidade, livres disso e de certezas. Como do que acontece, ou do que não é porque deve ser mas porque assim calhou. Há coisas importantes porque as vimos, outras porque as pudemos imaginar.
Por exemplo um homem que atravessa um mal e agora descansa, vivo e de olhos abertos. Mas a morte do homem está também presente, porque foi chamada e esperava-se. Felicite-se o homem e chore-se também, não há por que ceder à sorte.
Os acidentes que se escondem no banal: as quedas dos graves, crimes de sangue ou de carne, um desvio de trajectória, um raio que também cai (quanto pesa um raio?). Num mesmo instante, o que é e o que pode ser, o corpo imóvel e a boca fechada, igual fazer ou não fazer, ir ou não ir, et caetera.
E os deuses, coitados, os deuses são como cães assim, ou homens ou árvores cansadas. As cabeças escondidas no lençol e o dia imenso (dos deuses, dias como bombas) a esgravatar a janela.
Por entre as rezas de um acidente há vozes que sobem e outras que descem, os deuses também são gente, a gente também é gente, et caetera.
muito bom!
ResponderEliminarMaravilhoso texto!
ResponderEliminarParabéns!