Um homem vai pela rua vai. Que se chame Pedro e trabalhe no comércio, numa pequena loja de cosméticos. Digamos que sim. Caminha pela rua e quer voltar a casa, são horas de voltar. Enquanto caminha recorda-se de uma cliente que atendeu nessa tarde. Uma cliente jovem e bonita que procurava uma cor de batom e não a sabia definir. Ela, a cliente, acreditava na necessidade absoluta dessa cor, mas não lhe sabia o nome. Pedro ficou a pensar nisso e depois pensou nos seus próprios absolutos para os quais lhe faltavam as palavras.
Ao passar pela porta aberta de uma casa velha, Pedro vê uma senhora de gatas que esfrega o chão, uma senhora a quem se pode chamar Conceição. A senhora Conceição faz assim, limpezas e arrumações. Trata do terceiro esquerdo, do terceiro direito e do segundo esquerdo. Mais as escadas e o hall de entrada. A manhã tinha sido do terceiro direito, casa dos Gouveia. Ele é advogado, ela a senhora Gouveia. Na noite anterior fez-se um jantar na casa dos Gouveia e hoje havia louça suja. Enquanto a senhora Conceição lavava a louça escorregaram-lhe as mãos e um prato. O prato caiu e fez-se em muitos pedaços de prato. A senhora Gouveia acorreu à cozinha e ficou a ver, depois começou a chorar muito. Desculpas e justificações não lhe estancaram o choro, talvez não fosse um pranto de prato, talvez fosse outra coisa qualquer.
Um choro de nervos, isso. A senhora Gouveia, um dia menina Sara, dizia a si própria que era assunto de nervos. Um prato partido não é morte de gente. Não. Quem se teria servido dele? Talvez o professor Antunes, amigo velho do seu marido, ou o Dr. Cândido, sócio da firma. Talvez tivesse sido a sua mulher, a quem a senhora Gouveia apanhara a meio do jantar a fazer olhinhos ao seu marido, o senhor Gouveia. Seja como for são certamente coisas de nervos, não é morte de gente.
O doutor Cândido está sozinho no escritório sentado à secretária. Já todos saíram e ele lê um livro sentado. O livro, escrito numa língua estrangeira, fala de coisas banais e é também banal o estilo com que foi escrito. Se alguém perguntasse ao doutor Cândido porque lê esse livro ele não saberia responder. O doutor Cândido está sozinho e de pouco vale entrar em fantasias.
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