20.2.09

De Inisi Afa

A recente publicação em língua portuguesa das mais representativas obras de Inisi Afa, importante escritor Melanésio, vem finalmente permitir ao público lusófono o conhecimento de um curioso caso de singularidade literária. Inisi, filho dos amores furtivos de um missionário escocês e de uma nativa da ilha de Makira, apreendeu o conceito de alfabeto através de uma bíblia deixada à pressa na cabana de sua mãe. Desde tenra idade Inisi dedicou-se a desenvolver um sistema de símbolos que lhe permitisse registar por escrito o seu dialecto, até esse momento apenas de expressão oral. Uma vez completada tal tarefa, Inisi começou a criar algumas das mais originais obras da literatura mundial.


O seu primeiro livro, escrito nas entrelinhas da referida bíblia, tem por título “Nos dias pequenos às vezes temos fome” e poder-se-ia qualificar como um relato naturalista “avant la lettre” em que este descreve as contingências económicas que provocavam violentos conflitos entre as diversas tribos do território. Numa passagem inesquecível Inisi descreve com pormenor o processo pelo qual as cabeças dos inimigos capturados eram reduzidas e penduradas em pontos estratégicos da ilha. Já neste primeiro manuscrito é notória a sua capacidade para expressar os sentimentos de descontentamento e de revolta existencial tão característicos da sociedade Melanésia do sec. XVIII.


A segunda obra apresentada nesta edição tem por título “Fui pescar um peixe grande grande” e é um notável relato em fluxo de consciência de uma jornada de pesca solitária. Inisi convida-nos a partilhar da sua percepção e faz-nos acompanhar as preocupações, os desejos e as fantasias de um pescador simbólico em busca de um “peixe grande grande”.


O último volume agora traduzido é por muitos considerado como a obra-prima deste autor, o magistral “O regresso dos cabelos vermelhos” é uma distopia poderosa em que o autor imagina um mundo futuro dominado por personagens omnipotentes e cruéis de cabelos ruivos. Nesta utopia negra, Inisi descreve uma sociedade transformada e radicalmente oposta aos valores e tradições que conhece. O autor imagina uma realidade onde o tempo é controlado por mecanismos e não pelo sol, os homens são obrigados a caçar para outros homens, os corpos são presos em tecidos de cores escuras e todos os deuses morrem ficando apenas um, desconhecido pelas gentes da ilha. É uma escrita angustiada e assaltada por assombros filosóficos que revela um autor maduro preocupado com os destinos da sua cultura e da sua colecção de cabeças encolhidas (maravilhosa metáfora).


Esta tripla edição constitui um documento fundamental que vem consubstanciar a teoria do famoso crítico literário Kapi Popol, segundo a qual a literatura europeia dos finais do século XIX e inícios do século XX é originalmente um produto importado da Melanésia conjuntamente com a copra, o cacau e a kava.

2 comentários:

 
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