O bar ficava numa rua escondida da baixa e a clientela era constituída quase exclusivamente por homens com mais de quarenta anos. O balcão de madeira e o ar familiar lembravam uma série americana, aparte os tremoços e o benfica no televisor. Ele estava sentado no canto e emborcava diligentemente mini atrás de mini, preta. Sorri ao cliché e sentei-me a seu lado. Quando chegou o intervalo (e com ele o vazio), começámos a juntar palavras aos tremoços.
Trocaram-se as banalidades de circunstância, oarbitromaisestesladrõeseocaralhoqueosfodaatodos, mas acabaram os tremoços e pouco depois estava a contar-me que nos últimos dois anos tinha perdido a mulher e dois filhos. Disse-me também que antes praticamente não bebia, e que de todas as vezes tinha quase conseguido parar, até que morria mais alguém e tornava ao mesmo. Graças ao álcool, tinha perdido o emprego e o subsídio era todo trocado em minis. Assim também ele se ia convertendo em pedaços, em trocos. Chamava-se a si mesmo um alcoólico do luto. Disse-lhe que não (tínhamos a segunda parte pela frente), que era o resultado da tragédia e que não se culpasse. Ele sorriu, olhou para mim e falou lentamente: então, por que é que eu os matei?
(Publicado na Revista Minguante)
Prezado Nuno
ResponderEliminarEstive a passear no seu blogue e gostei deste miniconto em especial. Na verdade gostaria de tê-lo escrito mas idéia foi ter contigo, além-mar.
Continua a nos brindar com estas minúsculas pedras raras.
um abraço
Chico Pascoal.