Era em muitos aspectos um funcionário exemplar. O Lopes chegava a horas e não falava pelos cantos com a voz surda de dizer mal. Fazia o que havia de ser feito e bem, diligente e sério, era o Lopes. Discreto também, à parte aquilo, claro está, mas discreto. Sempre de fato escuro, a camisa engomada de punhos imaculados, como se o trabalho não passasse dos dedos para cima. O Lopes era o senhor Lopes e homem de família, muito capaz de ir à primeira missa da manhã e deixar uma nota de euro no cesto da espórtula. Quem soubesse não poderia adivinhar, mas assim era, assim.
Às vezes à hora do almoço, subia por esse céu acima e mordiscava a sandes como um deus da ligeireza. O malandro do Lopes. Outras vezes a propósito de nada: ao subir as escadas, numa raiva de más palavras (de resto atiradas ao ar), ou mesmo pelo calor, como um balão que sobe daqui para lá por pressões e correntes secretas.
A gente sente-se muitas vezes sem saber porque é. Coisas que se fazem e que parecem mal sem que más sejam. Como estacionar um Porsche e sorrir à toa para os demais, ou dormir com a Clarinda na festa de natal e pegar ao trabalho com roupa de véspera. Nem é inveja, mas talvez seja inveja.
Um dia escolhemos alguém que foi perguntar. Escolhemos-me a mim, e eu fui. Cheguei-me ao Lopes e num intervalo de dia atirei como fosse nada, “Olha lá, ó Lopes, e isso de levitar?”. O Lopes encolheu os ombros e atirou ar pelas ventas, “Oh, isso… cada um com a sua maluqueira, não é assim António? Cada um com a sua maluqueira. Olha, a pescar perde-se mais tempo”. E tem razão o Lopes, o mais é vontade de implicar.