24.1.09

Para ti, Tomé

Enquanto eu fui pequeno, numa gaiola lá de casa moraram alguns periquitos. Os periquitos, verdes e amarelos uns, azuis e amarelos outros, têm o costume de falecer em tempo anterior aos seus proprietários. Assim aconteceu lá em casa, pelo que a mim compete contar a história.

A gaiola dos meus periquitos era o apartamento de classe média dos psitaciformes. Não era de grandes luxos mas tinha asseio, água, e alpista nas caixinhas. Uma bênção.
Os maraus tinham-me custado uma prenda de aniversário. E eu nunca abria a gaiola. Minto. Às vezes arriscava por lá a mão e era um desatino de penas até conseguir agarrar um. Sentia-lhe a taquicardia caguinchas, fingia-me muito grande, e retirava a mão com um estalar da porta. Era um lindo desenfado.

Eu observava os passaritos com muita atenção. Gostava de os ver doidos com o cheiro da comida, de como esvoaçavam para serem os primeiros a chegar às manjedoiras pequenitas. Tanto observei que um dia quis experimentar um ardil. Tão simples e inocente quanto hoje o vejo subtil e pérfido.
Uma das minhas mãos segurava o comedoiro atulhado, a outra segurava a porta. Então eu escancarei a portinhola e ao mesmo tempo coloquei o comedoiro no sítio. Afastei-me ligeiramente e fiquei ali com o coração aos pulos (desta feita era eu) a ver no que dava o exercício. O risco era real. Ah mas os pobres, os tolos animais nem as cabeças puseram fora dos aposentos, foi o mesmo corrupio de asas e bicos para ver quem enfardava mais grãozinhos. O Tomé ainda olhou de raspão para a janelita, mas depois fez como os outros e apaziguou as ânsias, pela goela.

O rapazito que então era eu, fechou a gaiola e dormiu mais uma noite sem filosofia. No outro dia acordou, acordei, e assim dormindo e acordando se seguiram os dias sem mais pensar em pássaros nem em gaiolas.

Mas é que às vezes, dessas e outras vezes, doem-me certas partes pequeninas de estar vivo. Como aos outros, que também estão vivos. E é então que eu me levanto com os braços encolhidos a dar a dar. Esvoaço pela sala num pânico muito meu e vou piscando o olho a um Deus cretino e pueril.

1 comentário:

  1. Gostei imenso! Lindo, muito delicado. É um prazer ler o que escreves.

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